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domingo, 5 de outubro de 2025

A Escola de Salamanca e a gênese da economia liberal

A Escola de Salamanca e a gênese da economia liberal

A Escola de Salamanca inaugurou princípios econômicos e morais que originaram o liberalismo e inspiraram a Escola Austríaca de Economia.



A gênese intelectual da Escola de Salamanca

A Escola de Salamanca representa um dos capítulos mais significativos da história do pensamento econômico ocidental.

Originada no século XVI, dentro da Universidade de Salamanca, na Espanha, ela nasceu de uma tentativa ousada de reconciliar a teologia moral com as novas realidades econômicas e comerciais trazidas pela expansão marítima e pelo início do capitalismo moderno.

Os teólogos e juristas salmantinos, herdeiros do tomismo de São Tomás de Aquino, inauguraram um modo racional e científico de compreender a ação humana — antecipando princípios que, séculos depois, formariam o núcleo da Escola Austríaca de Economia.



O contexto europeu do século XVI

A Europa do Renascimento vivia uma transformação sem precedentes.

As Grandes Navegações abriram novas rotas comerciais, o *ouro americano inundava a Espanha, e a Reforma Protestante questionava a autoridade eclesiástica.

Nesse cenário, surgia a necessidade de repensar moralmente o comércio, o lucro, os juros e a propriedade privada, temas até então vistos sob desconfiança teológica.

A Universidade de Salamanca, centro de saber e de debate, tornou-se o espaço privilegiado dessa renovação. Ali floresceu uma geração de pensadores que aplicou a razão natural ao campo econômico, defendendo que as leis do mercado não eram apenas fatos empíricos, mas expressões legítimas da liberdade humana.

*O “ouro americano” era o metal precioso trazido das colônias espanholas da América, cuja abundância causou inflação na Europa e despertou, entre os teólogos da Escola de Salamanca, as primeiras reflexões sistemáticas sobre o valor do dinheiro, os preços e a moralidade econômica.



O núcleo intelectual de Salamanca

Entre os principais nomes, destacam-se:

  • Francisco de Vitoria (1483–1546) – considerado o fundador da escola. Defendeu a ideia de um direito natural universal, aplicável a todos os povos, e a legitimidade do comércio pacífico entre nações.

  • Domingo de Soto (1494–1560) – introduziu reflexões pioneiras sobre justiça econômica, contratos e formação de preços.

  • Martín de Azpilcueta (1491–1586) – antecipou a teoria quantitativa da moeda, relacionando a expansão do ouro ao aumento dos preços, um dos primeiros estudos sobre inflação.

  • Luis de Molina (1535–1600) – formulou a teoria da liberdade humana e argumentou que o valor surge da utilidade percebida pelo indivíduo.

  • Juan de Mariana (1536–1624) – defendeu os limites do poder político e a legitimidade da resistência contra governos tirânicos.

O núcleo intelectual de Salamanca

Esses autores criaram uma verdadeira síntese entre ética, razão e economia, marcando o nascimento da economia política moral.



Fundamentos filosóficos e teológicos

A base da Escola de Salamanca repousa sobre o direito natural — uma ordem racional inscrita na natureza e acessível pela razão.

A economia, para esses pensadores, não era uma mera técnica de acumulação, mas um campo da ação moral humana, sujeito à justiça e à virtude.

Inspirados em Tomás de Aquino, afirmavam que:

  • a liberdade de escolha é um atributo da vontade racional;

  • a propriedade privada é legítima como meio de preservação da vida e do bem comum;

  • e o mercado é um espaço natural de cooperação entre indivíduos livres.

Essa visão ético-racional substituiu a economia do pecado por uma economia da responsabilidade, em que o indivíduo age livremente dentro da ordem moral criada por Deus.



A economia como extensão da moral

Os salmantinos romperam com a visão medieval que via o lucro como suspeito.
Defenderam que:

  • o preço justo não é imposto pelo Estado, mas determinado pela oferta e demanda;

  • o lucro é compensação pelo risco e pela habilidade empresarial;

  • e o juro pode ser moralmente legítimo, como remuneração do capital.

Esses conceitos deslocaram a análise econômica da moral ascética para uma moral racional — abrindo caminho para o individualismo econômico que mais tarde influenciaria Adam Smith e os austríacos.



A teoria monetária e o papel do dinheiro

Martín de Azpilcueta foi pioneiro ao perceber que o aumento da quantidade de dinheiro circulante reduzia seu valor, provocando inflação.

Sua observação, derivada da experiência espanhola com o ouro das Américas, deu origem ao princípio que séculos depois seria formalizado como Teoria Quantitativa da Moeda.

Essa descoberta mostra que a Escola de Salamanca já intuía leis econômicas universais, dedutíveis pela razão e observáveis na experiência — exatamente o método que Carl Menger chamaria de praxeologia no século XIX.


    
Da moral ao mercado: a transição intelectual

A Escola de Salamanca transformou a economia em uma ciência da ação humana.
Ao reconhecer que o valor nasce das preferências individuais, e não de decretos morais, os salmantinos abriram o caminho para a subjetividade do valor, fundamento da teoria austríaca.

Essa transição — da teologia moral ao estudo racional da escolha — marca o início da economia como disciplina autônoma, guiada pela lógica da ação e pelo princípio da liberdade.

Convergências com a Escola Austríaca de Economia

Aspecto

Escola de Salamanca
(séc. XVI)

Escola Austríaca (séc. XIX–XX)


Liberalismo Clássico
(séc. XVIII)

Fundamento do Valor

Utilidade e escassez percebidas


Valor subjetivo e preferência temporal

Trabalho e custo de produção

Método


Ético-dedutivo, com base na razão natural

Dedutivo e praxeológico

Empírico e utilitarista

Visão do Indivíduo

Ser racional e moral


Agente que age conforme fins e meios

Homo economicus racional

Estado e Mercado


Intervenção mínima, respeito à liberdade contratual

Defesa do livre mercado e da ordem espontânea

Defesa das instituições naturais do comércio

Moralidade
do Lucro

Justificada pelo risco e esforço


Expressão da coordenação eficiente do mercado

Resultado da livre concorrência

Legado


Raízes do direito natural e da ética econômica

Teoria da ação humana e da ordem espontânea

Consolidação do capitalismo liberal

Esse quadro demonstra a continuidade intelectual entre Salamanca, o Liberalismo Clássico e a Escola Austríaca — três momentos de uma mesma tradição de liberdade.



Legado e permanência

O impacto salmantino ultrapassou séculos.

No direito, inspirou o nascimento do direito internacional público, especialmente pelas obras de Francisco de Vitoria.

Na economia, lançou os alicerces da teoria subjetiva do valor e do livre mercado.

E na ética, firmou a ideia de que toda ação econômica deve respeitar a dignidade humana.

Liberalismo Clássico

No Brasil, esse legado se manifesta na atuação de instituições como o Instituto Mises Brasil, o Instituto Liberal e o IFL, que retomam o ideal de uma economia ética e livre, fiel às origens morais de Salamanca.



Conclusão: uma escola que não envelhece

A Escola de Salamanca foi mais do que um movimento teológico: foi o berço da economia liberal e o elo perdido entre a filosofia moral e a ciência econômica.

Ao defender que o valor nasce da escolha humana e que a liberdade é um atributo da dignidade, os salmantinos anteciparam séculos de debate sobre o papel do indivíduo na sociedade.

Suas lições ecoam em Menger, Mises e Hayek, mas também em toda visão de economia que respeite a liberdade, a moral e a razão.

Hoje, revisitar Salamanca é redescobrir a origem ética da economia de mercado — uma herança que transcende o tempo e continua a moldar as bases da civilização ocidental.


A Escola de Salamanca mostrou que a liberdade não é apenas um direito econômico, mas a expressão mais nobre da razão humana em busca do bem comum. (Rafael José Pôncio)


Conclusão: uma escola que não envelhece

Escola de Salamanca foi mais do que um movimento teológico: foi o berço da economia liberal e o elo perdido entre a filosofia moral e a ciência econômica.

Ao defender que o valor nasce da escolha humana e que a liberdade é um atributo da dignidade, os salmantinos anteciparam séculos de debate sobre o papel do indivíduo na sociedade.

Suas lições ecoam em Menger, Mises e Hayek, mas também em toda visão de economia que respeite a liberdade, a moral e a razão.

Hoje, revisitar Salamanca é redescobrir a origem ética da economia de mercado — uma herança que transcende o tempo e continua a moldar as bases da civilização ocidental.

Bom trabalho e grande abraço.
Rafael José Pôncio, PROF. ADM.


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