Israel Kirzner destacou o empreendedor como agente de descoberta e coordenação, essencial para inovação, liberdade econômica e prosperidade social.
Israel Kirzner: o pensador do empreendedorismo como descoberta
A Escola Austríaca de Economia é um dos ramos mais originais do pensamento econômico moderno. Em meio aos nomes clássicos como Carl Menger, Eugen von Böhm-Bawerk, Friedrich von Wieser, Ludwig von Mises e Friedrich Hayek, um economista do século XX destacou-se ao dedicar sua obra ao papel central do empreendedor. Trata-se de Israel Kirzner, considerado o grande teórico do empreendedorismo como descoberta de oportunidades. Sua contribuição não apenas ampliou o alcance da tradição austríaca, como também inseriu o empreendedorismo no centro do debate acadêmico internacional.
Breve biografia
Israel Meir Kirzner nasceu em Londres, em 1930, filho de judeus ortodoxos. Ainda jovem mudou-se para a África do Sul, onde iniciou seus estudos superiores na Universidade de Cape Town. Mais tarde, estabeleceu-se nos Estados Unidos, ingressando na New York University (NYU), instituição na qual seria professor por toda a sua carreira.
Na NYU, Kirzner tornou-se discípulo direto de Ludwig von Mises, assistindo ao famoso seminário ministrado por ele, que se tornaria um ponto de encontro de futuros expoentes austríacos. Sob a orientação de Mises, obteve seu doutorado em economia em 1957. A partir daí, iniciou uma trajetória acadêmica sólida, publicando livros que marcaram a retomada e a modernização da Escola Austríaca no pós-guerra.
A influência de Mises e a centralidade do empreendedor
A convivência intelectual com Mises foi decisiva. Enquanto Mises enfatizava a ação humana (praxeologia) como fundamento da economia, Kirzner avançou em uma questão específica: qual é o papel do empreendedor nesse processo?.
O livro Ação Humana em pdf, disponível aqui.
Em sua obra, ele demonstrou que o empreendedor é o agente que percebe falhas no mercado, oportunidades não exploradas e possibilidades de arbitragem entre diferentes informações dispersas. Sem ele, o processo de mercado ficaria paralisado.
Israel Kirzner mostrou que o empreendedorismo é mais do que abrir negócios: é a capacidade única de enxergar o invisível e transformar descobertas em prosperidade.
A ideia central: o “alerta empreendedor”
O conceito que tornou Kirzner uma referência mundial é o de alerta empreendedor (entrepreneurial alertness). Para ele, o empreendedor não precisa, necessariamente, de capital ou de tecnologia de ponta; seu diferencial está em enxergar o que os outros ainda não perceberam.
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O padeiro que nota a demanda por pães integrais em um bairro.
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A costureira que percebe a procura por roupas personalizadas.
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O jovem que identifica a possibilidade de usar aplicativos para conectar motoristas e passageiros.
Em todos esses exemplos, o que importa é a capacidade de atenção e descoberta. O empreendedor detecta uma oportunidade latente, age e, ao fazê-lo, contribui para a coordenação econômica e para a redução das ineficiências de mercado.
Essa visão rompe com a ideia de que o mercado é um sistema estático de equilíbrio. Para Kirzner, o mercado é um processo dinâmico que só se movimenta graças ao olhar atento e criativo do empreendedor.
Para Kirzner, o empreendedor é aquele que percebe oportunidades onde ninguém olha e, ao agir, transforma a realidade econômica.
Kirzner e Schumpeter: destruição versus descoberta
Ao desenvolver sua teoria, Kirzner dialogou inevitavelmente com outro gigante do pensamento econômico: Joseph Schumpeter.
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Para Schumpeter, o empreendedor é o agente da destruição criativa: ele rompe estruturas, derruba empresas estabelecidas e cria novas formas de produção.
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Para Kirzner, o empreendedor é sobretudo um descobridor de oportunidades: em vez de destruir, ele coordena desequilíbrios e amplia a eficiência do processo de mercado.
Ambas as visões se complementam, mas a de Kirzner é especialmente útil para explicar a realidade de economias em desenvolvimento, onde o simples ato de abrir um pequeno negócio já representa uma descoberta significativa.
Obras e contribuições acadêmicas
Entre seus principais livros estão:
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Market Theory and the Price System (1963) – uma introdução didática à teoria austríaca.
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Competition and Entrepreneurship (1973) – obra seminal em que apresenta a teoria do alerta empreendedor. (disponível em pdf aqui).
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Perception, Opportunity, and Profit (1979) – aprofundamento filosófico sobre o papel da descoberta.
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Discovery, Capitalism and Distributive Justice (1989) – defesa do sistema de mercado como ordem justa e eficiente.
Essas publicações consolidaram Kirzner como o maior sistematizador do papel do empreendedor dentro da Escola Austríaca, dando nova vitalidade ao debate sobre competição e inovação.
Aplicações práticas: a lição de Kirzner para o Brasil
Se aplicarmos a teoria de Kirzner à realidade brasileira, o recado é claro: o desenvolvimento não virá de cima para baixo, por meio de planos governamentais, mas de baixo para cima, pela iniciativa de empreendedores livres.
Quando uma comunidade tem liberdade para empreender, surgem mercados locais dinâmicos que resolvem problemas sem depender da burocracia estatal. O dono da padaria, a costureira, o jovem que abre uma startup — todos eles, em conjunto, são agentes da transformação social.
Mas, quando a burocracia é sufocante, os impostos são altos e a insegurança jurídica domina, o potencial do empreendedor é esmagado. A mensagem austríaca, portanto, é também um chamado à liberdade econômica.
Legado intelectual e reconhecimento
Kirzner aposentou-se como professor emérito da NYU, mas sua influência persiste. Seu nome aparece frequentemente em discussões acadêmicas, políticas públicas de incentivo ao empreendedorismo e estudos sobre inovação. Além disso, foi indicado diversas vezes ao Prêmio Nobel de Economia pela originalidade e consistência de suas contribuições.
Seu legado permanece vivo porque trata de algo atemporal: a capacidade humana de perceber, arriscar e criar.
Conclusão
Israel Kirzner mostrou que o empreendedor é o verdadeiro protagonista da prosperidade. Mais do que estatísticas ou planejamentos centralizados, é a iniciativa de indivíduos atentos que transforma sociedades.
A lição de Israel Kirzner é clara: o empreendedor não apenas participa do mercado, ele o move ao descobrir e realizar o que parecia impossível.
Para o Brasil, sua lição é cristalina: liberar as forças criativas do povo significa abrir espaço para que pequenas descobertas se transformem em grandes avanços sociais.
O mercado é um processo vivo. O empreendedor é aquele que, ao descobrir oportunidades invisíveis, move a engrenagem da liberdade e da prosperidade.
Bom trabalho e grande abraço.
Rafael José Pôncio, ADM.
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