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sexta-feira, 3 de novembro de 2023

Friedrich Hayek, o pai do liberalismo e muitos saberes

Friedrich Hayek, o pai do liberalismo e muitos saberes

Friedrich August von Hayek é o pai da administração que iremos conhecer hoje, dentre as suas realizações mais importantes, destaca-se os seus estudos econômicos sobre o liberalismo econômico, sendo ele um dos principais defensores do liberalismo clássico, também foi um dos fundadores da Escola Austríaca de Economia, protagonizou embates ideológicos com John Keynes e ganhou o Prêmio Nobel de Economia do ano de 1974

Os estudos do professor Hayek extrapolaram a esfera econômica, a qual ele soube navegar com maestria, e tocaram a filosofia, sociologia e o campo da psicologia. Hayek foi um acadêmico por excelência, tendo atuado por longos anos na London School of Economics e nas universidades de Chicago e Freiburg, a última na Alemanha. O austríaco naturalizado britânico é autor de uma centena de trabalhos acadêmicos entre livros e artigos publicados em revistas especializadas. 

As principais teorias e estudos de Hayek se voltaram para o campo econômico e influenciaram toda a geração de economistas do século XX, e seguem sendo objetos de estudo na atualidade. O enfoque mais conhecido dos seus estudos se deu em relação ao papel do Estado frente à regulação da economia. 

Para Hayek, a principal causa dos ciclos de alta e baixa da economia se dão por interferência dos governos na economia, ao criar situações enganosas com taxas de juros muito abaixo do que o mercado ditaria, provocando a longo prazo um cenário de recessão econômica. 

Hayek influenciou uma série de outros economistas, filósofos e pensadores, como Milton Friedman, Roger Scruton e Edward Feser e uma infinidade de estudantes e professores da graduação. Atuou junto a governantes do leste europeu e chegou a ser convidado para visitar a Casa Branca no governo de Ronald Reagan. Agora, é hora de aprender um pouco mais com Hayek e como os seus estudos modificaram definitivamente a forma de pensar a economia do século XX até o presente. 

O começo de Friedrich Hayek 

Friedrich Von Hayek nasceu em um berço intelectual e cultural da Áustria clássica. Seu pai, August Von Hayek, pertencia à nobreza e foi um renomado professor da Universidade de Viena, responsável pelas cadeiras de botânica. Em meio a um ambiente propício para o desenvolvimento pessoal e intelectual, Hayek nasceu em 8 de maio de 1899. A tradição da sua família nos estudos acadêmicos, científicos e filosóficos certamente influenciaram suas buscas pelos diversos ramos do saber.

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A sua educação foi primorosa e desde muito cedo Hayek contou com exemplos próximos de grandes pensadores, como o filósofo Ludwig Wittgenstein que foi seu primo em segundo grau. Ainda quando criança, o seu pai lhe incentivou a ler as obras de Hugo de Vries, biólogo holandês que foi um dos responsáveis por redescobrir os trabalhos de Mendel, sobre a hereditariedade, e estudar as obras do filósofo alemão Ludwig Feuerbach, conhecido por seus trabalhos na linha humanista e antropológica, as quais influenciaram Karl Marx.




Ainda criança teve contato com os trabalhos sobre a ética aristotélica, frequentou as melhores escolas e teve tutores que despertaram nele o prazer pelos estudos e erudição. Com a Primeira Guerra Mundial em andamento, Hayek foi convocado para atuar em um regimento de artilharia do exército Áustro-Húngaro e combateu com bravura na fronteira da Itália. 

Conta-se que dessa experiência na guerra lhe rendeu dois legados: a perda de parte da audição do ouvido esquerdo e a vontade de se dedicar aos estudos acadêmicos com o objetivo de impedir que situações semelhantes à que viveu voltassem a ocorrer. Após o fim da guerra, os esforços de Hayek se voltaram ao aprendizado das diversas ciências que atravessaram o seu caminho. 

Durante a sua graduação na Universidade de Viena se dedicou entusiasticamente aos estudos da filosofia, psicologia e economia. Com apenas 23 anos já era doutor em direito e ciências políticas. Durante os anos de estudo na Universidade, Hayek entrou em contato com com Ludwing Von Mises, economista e também membro da escola austríaca de pensamento econômico, defensor da liberdade econômica como suporte básico para a liberdade individual. 

Do encontro do Mises, Hayek reformulou suas convicções internas e linha de pensamento e deu os primeiros passos para se tornar um dos ícones do liberalismo clássico, por sua influência escreveu o livro Monetary Theory and the Trade Cycle. 

No decorrer da sua trajetória como professor universitário, foram três instituições que marcaram a sua vida acadêmica: a London School of Economics (LSE), a Universidade de Chicago e a Universidade de Freiburg. 

No começo da década de 30, Hayek é convidado para fazer um ciclo de palestras sobre economia monetária na LSE. A repercussão foi tão positiva que em seguida foi convidado para seguir como professor Tooke Professor of Economics Science and Statistics, função que exerceu até o ano de 1950, por quase 20 anos na instituição. 

Durante a estadia na LSE Hayek se envolveu em embates ideológicos que se tornaram famosos. O mais forte aconteceu com John Keynes, quando Hayek escreveu uma crítica contundente a obra A Treatise on Money (1930) e Keynes, na mesma moeda, replicou criticando o seu livro Prices and Production (1931). Durante a Segunda Guerra Mundial a LSE mudou-se para Cambridge, nessa época ele passou a criticar algumas doutrinas que chamou de “cientificismo”, foi nesse período também que publicou o seu livro mais famoso, O Caminho da Servidão.



Conheça o livro de Hayek sobre: Desemprego e Política Monetária



No ano de 1950, Hayek deixou a LSE e seguiu para a Universidade de Chicago, inicialmente para participar do Comitê sobre o Pensamento Social na instituição. Nesse período, dedicou parte do seu tempo aos estudos sobre a psicologia, quando também escreveu o livro The Sensory Order: An Inquiry into the Foundations of Theoretical Psychology (1952). Nele, Hayek escreve a capacidade plástica cerebral e como as células neuronais se organizam de forma espontânea, caracterizando o cérebro humano como um sistema de complexo entendimento. 

Hayek lecionou por 12 anos na Universidade de Chicago, quando em 1962 começa os trabalhos na Universidade de Freiburg, na época, Alemanha Ocidental, permanecendo na instituição até o ano de 1968 quando aceita o convite para ser professor honorário na Universidade de Salzburg. 

Principais ideias de Hayek 

Conforme já citado, Hayek foi um dos co-fundadores da Escola Austríaca de Economia, e desde os seus primeiros anos de estudo na universidade deixou claro a sua inclinação liberal. Portanto, é consequência lógica que seus estudos e teorias caminhem no sentido de que a economia deve reger-se livremente, com o mínimo de interferência dos Estados

Para Hayek, por melhor intencionado que um Estado seja, o seu planejamento e controle nunca daria conta de acompanhar as mudanças do mercado, logo, qualquer planejamento logo estaria defasado e destinado ao fracasso. Seguindo o seu raciocínio, os indivíduos tomam decisões e mudam a forma de atuar com muito dinamismo, pois assim é a vida, mudam com os cenários, portanto, cada um deveria ser responsável por tomar as próprias decisões econômicas, nas áreas em que possuíssem maior conhecimento.

“Friedrich Hayek mostrou que a ordem espontânea resulta da interação entre indivíduos livres, influenciando tanto a teoria econômica quanto os modelos de gestão.”

Para o professor Hayek, essa seria a fórmula para o desenvolvimento econômico e sustentável a longo prazo. Porém, as suas ideias encontraram resistência por parte da academia e entrou em choque com outros grandes teóricos, por exemplo: John Keynes, já citado, uma vez que este, ao contrário de Hayek, defendia a maior participação do Estado para conter as crises econômicas.

Hayek defensor da liberdade

Como decorrência desse pensamento, Hayek foi um grande defensor da liberdade para produzir, trabalhar, tomar as decisões que julgar mais pertinentes para o próprio negócio, liberdade para poder lucrar e crescer. 

Com efeito, Hayek transporta suas ideias liberais econômicas e sobre a atuação descentralizada do Estado para o campo do direito e dá ênfase à importância do Estado de Direito. De acordo com o pai da administração, um Estado em que as ações se baseiam em leis gerais, as quais são aplicadas a todos, não distinguindo um indivíduo do outro, proporciona melhores condições para que as pessoas possam utilizar o próprio conhecimento para os fins que desejarem, o que não acontece em um Estado centralizador, e assim, o conhecimento disperso seria pior utilizado pelos indivíduos. 

O legado de Friedrich Hayek 

A trajetória profissional e acadêmica de Friedrich Hayek foi bastante longeva. Somente como professor nas universidades de Londres, Chicago e Freiburg foram quase 40 anos de sala de aula. Ressalta-se a sua extensa produção acadêmica que lhe renderam prêmios importantes, o mais famoso deles, o Prêmio Nobel de Economia, em 1974, que veio como consequência do seu trabalho pioneiro sobre a Teoria da moeda e flutuações econômicas e pela análise penetrante da interdependência dos fenômenos econômicos.


Conheça o livro de Hayek sobre: Desestatização do Dinheiro (em PDF).


“Friedrich Hayek demonstrou que a ordem social e econômica emerge do conhecimento disperso dos indivíduos, sendo inviável o controle centralizado desse processo.”

Curiosamente, o prêmio de 1974 foi dividido com Gunnar Myrdal, um dos seus rivais ideológicos. Ao Nobel de Economia, se somam o Prêmio Hanss Martin Schleyer (1984), uma condecoração para aqueles que promovem os princípios de uma comunidade livre, e a Medalha Presidencial da Liberdade (1991) concedida pelo presidente dos Estados Unidos. A maior honraria que um civil pode receber no país. 

No aspecto pessoal, Hayek casou com Helen Berta Von Fritsch, em agosto de 1926, eles tiveram dois filhos, porém se divorciaram em 1950, quando ele passou a se relacionar com Helene Bitterlich, ele faleceu em 23 de março de 1992, com mais de 90 anos.

"Os estudos de Hayek sobre conhecimento disperso oferecem às Ciências da Administração a base para compreender a importância da descentralização nas organizações.”

É inegável toda a contribuição dada por Hayek para o pensamento econômico e liberal no século XX, os quais seguem sendo objetos de debate e aprendizados, contribuindo para a formação de estudantes, pensadores, governantes, administradores e empreendedores em todo o mundo.

Bom trabalho e grande abraço.

Rafael José Pôncio, PROF. ADM.



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terça-feira, 8 de setembro de 2015

Carl Menger e o valor subjetivo na Escola Austríaca

Carl Menger e o valor subjetivo na Escola Austríaca

Carl Menger revolucionou a economia com a teoria do valor subjetivo e fundou a Escola Austríaca, deixando um legado intelectual duradouro.

Carl Menger como pilar intelectual da Escola Austríaca

No cenário econômico do século XIX, marcado por intensos debates intelectuais e transformações sociais, a figura de Carl Menger (1840–1921) emergiu como um divisor de águas. Enquanto a economia clássica se apoiava em concepções objetivas de valor, Menger rompeu com esse paradigma ao propor uma visão centrada no indivíduo e em suas percepções subjetivas. Foi ele quem lançou as bases da Escola Austríaca de Economia, corrente que até hoje influencia pesquisadores, empreendedores e formuladores de políticas públicas ao redor do mundo.

Aqui existe um livro (em inglês) pdf



Biografia e trajetória

Carl Menger nasceu em 1840, na região da Galícia, então parte do Império Austro-Húngaro. De origem familiar ligada à administração pública, seguiu inicialmente os estudos em direito nas universidades de Viena, Praga e Cracóvia. No entanto, sua curiosidade intelectual logo o conduziu ao campo da economia, onde buscava respostas mais consistentes para os fenômenos do mercado.

Antes de se firmar como acadêmico, trabalhou como jornalista econômico, experiência que lhe proporcionou contato direto com problemas concretos da sociedade e da política de sua época. Posteriormente, ingressou no serviço público austríaco e, em 1873, foi nomeado professor da Universidade de Viena, onde sua influência marcaria gerações. Entre seus alunos, destacaram-se Eugen Böhm-Bawerk e Friedrich von Wieser, que consolidariam os fundamentos da Escola Austríaca.



A obra central: Princípios de Economia Política (1871)

A publicação de Princípios de Economia Política marcou uma verdadeira ruptura na história da ciência econômica. Até então, prevalecia a ideia de que o valor dos bens estava relacionado à quantidade de trabalho empregado em sua produção — tese defendida por economistas clássicos como David Ricardo e, em versão mais radical, por Karl Marx.

valor subjetivo

Menger contestou essa concepção ao afirmar que o valor não é objetivo, mas resulta da utilidade que cada indivíduo atribui a um bem. Essa virada conceitual introduziu a noção de valor subjetivo, fundamento de sua teoria, e deu início à chamada Revolução Marginalista, movimento que também contou com contribuições de William Stanley Jevons, na Inglaterra, e Léon Walras, na França.



Teses e ideias principais

O núcleo do pensamento de Carl Menger pode ser sintetizado em algumas teses fundamentais:

  1. Valor subjetivo – O valor de um bem não está em sua estrutura material, mas na importância que o indivíduo lhe atribui ao satisfazer necessidades específicas.

  2. Utilidade marginal – Cada unidade adicional de um bem possui utilidade decrescente. Isso explica, por exemplo, por que a água, abundante, tende a ser barata, enquanto o diamante, raro, atinge preços elevados.

  3. Individualismo metodológico – A análise econômica deve partir das escolhas e percepções individuais, não de agregados ou entidades coletivas abstratas.

  4. Mercado como processo – Em vez de algo estático, o mercado é visto como um ambiente dinâmico em que os indivíduos ajustam continuamente suas ações.

Essas ideias não apenas romperam com a tradição clássica, mas também forneceram instrumentos conceituais para compreender a economia de forma mais próxima da realidade social.



Defesa central de Menger

A grande defesa de Menger foi recolocar o indivíduo no centro da análise econômica. Para ele, os preços, a escassez e as trocas não podiam ser entendidos a partir de teorias impessoais, mas sim como reflexos das escolhas humanas. O mercado, nessa visão, não é apenas um mecanismo de alocação, mas um processo vivo no qual empreendedores percebem oportunidades, organizam recursos e criam valor para atender necessidades concretas.

Essa defesa da liberdade de escolha e do papel da subjetividade rompeu com escolas rivais, como o historicismo alemão, que privilegiava explicações coletivas, e o marxismo, que via a economia sobretudo como expressão de conflitos de classe.



Legado intelectual e influência

O impacto de Menger ultrapassou sua própria geração. Seus discípulos, Böhm-Bawerk e Wieser, sistematizaram a teoria austríaca e deram continuidade ao programa intelectual iniciado em Viena. No século XX, seu legado foi levado adiante por Ludwig von Mises, que ampliou a análise da ação humana, e por Friedrich Hayek, vencedor do Prêmio Nobel de Economia em 1974.

A contribuição de Menger permanece atual em debates sobre inovação, empreendedorismo e políticas econômicas. A valorização da decisão individual, central em sua teoria, antecipa reflexões hoje aplicadas em áreas como teoria do consumidor, economia comportamental e estudos sobre startups.



Quadro comparativo

Para visualizar o contraste entre Menger e a tradição clássica:

Teoria do Valor-Trabalho (Ricardo/Marx)

Teoria do Valor Subjetivo (Menger)

Valor é determinado pela quantidade de trabalho incorporado ao bem.

Valor depende da utilidade percebida pelo indivíduo.

Explicação objetiva, baseada na produção.

Explicação subjetiva, baseada no consumo e nas preferências.

Tendência a análises coletivas.

Foco nas escolhas individuais.

Dificuldade em explicar preços de bens abundantes ou raros.

Explica diferenças por meio da utilidade marginal.


O contraste entre a teoria do valor-trabalho e a teoria do valor subjetivo ilustra a ruptura metodológica que deu origem à Escola Austríaca de Economia.

Teoria do Valor Subjetivo

Entre o trabalho acumulado e a utilidade percebida, Menger mostrou que o verdadeiro valor nasce do olhar humano diante das escolhas.



Box lateral – A Revolução Marginalista

O final do século XIX ficou marcado pela Revolução Marginalista, que transformou a economia em ciência mais analítica e próxima do comportamento humano. Três pensadores chegaram, de forma independente, a conclusões semelhantes:

  • Carl Menger (Áustria) – valor subjetivo e utilidade marginal.

  • William Stanley Jevons (Inglaterra) – teoria matemática da utilidade.

  • Léon Walras (França) – modelo de equilíbrio geral.

Embora com abordagens distintas, todos contribuíram para o abandono da teoria objetiva do valor.



Considerações finais

Carl Menger não foi apenas um economista do século XIX; foi um fundador de uma nova forma de pensar a economia. Ao devolver protagonismo ao indivíduo, ele abriu caminho para compreender como necessidades, escolhas e percepções moldam mercados inteiros. Sua teoria do valor subjetivo, ao mesmo tempo simples e revolucionária, permanece como um dos pilares da ciência econômica moderna.

Mais de um século após sua obra, seu legado inspira não apenas acadêmicos, mas também empreendedores e gestores que reconhecem a importância das decisões individuais na criação de valor e no funcionamento da sociedade.

"Carl Menger mostrou que a riqueza de uma nação não se explica apenas pela produção, mas pela capacidade humana de atribuir significado e valor às coisas."

Bom trabalho e grande abraço.
Rafael José Pôncio, PROF. ADM.



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terça-feira, 24 de março de 2015

Böhm-Bawerk e a teoria dos juros na Escola Austríaca

Böhm-Bawerk e a teoria dos juros na Escola Austríaca

Explore a vida de Eugen von Böhm-Bawerk e sua teoria dos juros, que transformou a economia ao explicar capital, tempo e preferência temporal.



O Economista Austríaco teórico sobre os juros

Eugen von Böhm-Bawerk ocupa um lugar singular na história da ciência econômica. Discípulo direto de Carl Menger, foi responsável por ampliar e consolidar a Escola Austríaca de Economia ao elaborar uma teoria dos juros que uniu capital, tempo e preferência temporal. Sua obra não apenas enfrentou os grandes debates de seu tempo, especialmente com os socialistas e marxistas, mas também lançou bases conceituais que continuam a influenciar a teoria econômica contemporânea. Mais do que um acadêmico, Böhm-Bawerk foi também um homem de ação: atuou como Ministro das Finanças do Império Austro-Húngaro, buscando aplicar na prática princípios que defendia em seus estudos.



Trajetória biográfica de Eugen von Böhm-Bawerk

Nascido em 1851, em Brno, no então Império Austríaco, Böhm-Bawerk formou-se em Direito em Viena, mas logo encontrou na economia sua verdadeira vocação. O contato com os escritos de Carl Menger, fundador da Escola Austríaca, foi determinante para direcionar seus estudos.

Como professor, destacou-se na Universidade de Innsbruck, onde escreveu as obras que o consagrariam: Capital e Juros (1884) e A Teoria Positiva do Capital (1889). Seu prestígio intelectual o levou à vida pública, tornando-se Ministro das Finanças em três ocasiões, período em que enfrentou debates fiscais e defendeu políticas orçamentárias prudentes.

Böhm-Bawerk faleceu em 1914, deixando um legado duradouro. Sua vida sintetiza a rara combinação entre rigor acadêmico e experiência prática no governo.



A Teoria dos Juros

O núcleo da contribuição de Böhm-Bawerk está em sua teoria dos juros. Para ele, o juro não era um fenômeno arbitrário ou resultado da exploração do trabalhador, como sustentava Marx, mas uma consequência lógica da relação entre tempo, capital e preferência humana.

Crítica à teoria do valor-trabalho de Marx

Böhm-Bawerk foi um dos mais consistentes críticos de Karl Marx. Em seu ensaio Karl Marx e o fechamento de seu sistema (1896), desmontou as contradições da teoria do valor-trabalho, mostrando que ela não explicava adequadamente a origem dos lucros. Se o valor derivasse apenas do trabalho, não haveria base racional para compreender por que os capitais aplicados em diferentes setores obtêm taxas de retorno distintas.

O papel do tempo e da espera na formação do juro

Segundo Böhm-Bawerk, a existência do juro decorre da preferência temporal: os indivíduos valorizam mais os bens presentes do que os futuros. Esse comportamento humano universal explica por que quem poupa e adia o consumo é recompensado. O capital, portanto, não é apenas um estoque físico, mas um processo temporal que envolve etapas de produção mais longas e sofisticadas.

O papel do tempo e da espera na formação do juro

Os juros seriam, assim, a compensação pela espera, o “preço do tempo” que equilibra poupança e investimento.



Contribuições para a Escola Austríaca

A teoria de Böhm-Bawerk consolidou a Escola Austríaca como uma alternativa vigorosa ao pensamento clássico e marxista. Seu foco na subjetividade, na ação individual e no papel do tempo abriu caminho para Ludwig von Mises, que aprofundou a teoria do capital em sua obra Ação Humana. Hayek, por sua vez, desenvolveu a dimensão intertemporal da produção e mostrou como distorções monetárias afetam os ciclos econômicos.

Assim, Böhm-Bawerk foi elo fundamental entre o pioneirismo de Menger e o florescimento posterior da tradição austríaca no século XX.



Atualidade da teoria dos juros

Ainda hoje, a teoria dos juros de Böhm-Bawerk mantém relevância. Em tempos de políticas monetárias expansionistas, taxas de juros artificialmente baixas e incentivos ao endividamento, a reflexão austríaca sobre preferência temporal se mostra atualíssima.

teoria dos juros de Böhm-Bawerk

Sua análise permite compreender fenômenos como bolhas financeiras, desalinhamento entre poupança e investimento e ciclos de expansão e recessão. A defesa de juros determinados pelo mercado, e não por manipulação estatal, ressoa fortemente nos debates econômicos contemporâneos.



Considerações finais

Eugen von Böhm-Bawerk foi mais do que um economista: foi um pensador que desafiou paradigmas, enfrentou teorias consolidadas e deixou um sistema conceitual duradouro. Ao explicar os juros como fenômeno natural da preferência temporal, libertou a economia de interpretações reducionistas e ofereceu uma base sólida para compreender o papel do capital na sociedade.

Sua biografia, marcada por rigor intelectual e serviço público, mostra que as ideias não vivem isoladas nos livros, mas podem influenciar políticas e moldar nações.

A teoria dos juros de Böhm-Bawerk permanece um convite à reflexão sobre como o tempo, o capital e as escolhas humanas determinam o curso do desenvolvimento econômico.

Bom trabalho e grande abraço.
Rafael José Pôncio, ADM.




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 Israel Kirzner e o papel do empreendedor


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terça-feira, 28 de outubro de 2014

Israel Kirzner e o papel do empreendedor

Israel Kirzner e o papel do empreendedor

Israel Kirzner destacou o empreendedor como agente de descoberta e coordenação, essencial para inovação, liberdade econômica e prosperidade social.


Israel Kirzner: o pensador do empreendedorismo como descoberta

A Escola Austríaca de Economia é um dos ramos mais originais do pensamento econômico moderno. Em meio aos nomes clássicos como Carl Menger, Eugen von Böhm-Bawerk, Friedrich von Wieser, Ludwig von Mises e Friedrich Hayek, um economista do século XX destacou-se ao dedicar sua obra ao papel central do empreendedor. Trata-se de Israel Kirzner, considerado o grande teórico do empreendedorismo como descoberta de oportunidades. Sua contribuição não apenas ampliou o alcance da tradição austríaca, como também inseriu o empreendedorismo no centro do debate acadêmico internacional.

Breve biografia

Israel Meir Kirzner nasceu em Londres, em 1930, filho de judeus ortodoxos. Ainda jovem mudou-se para a África do Sul, onde iniciou seus estudos superiores na Universidade de Cape Town. Mais tarde, estabeleceu-se nos Estados Unidos, ingressando na New York University (NYU), instituição na qual seria professor por toda a sua carreira.

Na NYU, Kirzner tornou-se discípulo direto de Ludwig von Mises, assistindo ao famoso seminário ministrado por ele, que se tornaria um ponto de encontro de futuros expoentes austríacos. Sob a orientação de Mises, obteve seu doutorado em economia em 1957. A partir daí, iniciou uma trajetória acadêmica sólida, publicando livros que marcaram a retomada e a modernização da Escola Austríaca no pós-guerra.

A influência de Mises e a centralidade do empreendedor

A convivência intelectual com Mises foi decisiva. Enquanto Mises enfatizava a ação humana (praxeologia) como fundamento da economia, Kirzner avançou em uma questão específica: qual é o papel do empreendedor nesse processo?.

O livro Ação Humana em pdf, disponível aqui.

Em sua obra, ele demonstrou que o empreendedor é o agente que percebe falhas no mercado, oportunidades não exploradas e possibilidades de arbitragem entre diferentes informações dispersas. Sem ele, o processo de mercado ficaria paralisado.

Israel Kirzner mostrou que o empreendedorismo é mais do que abrir negócios: é a capacidade única de enxergar o invisível e transformar descobertas em prosperidade.


A ideia central: o “alerta empreendedor”

O conceito que tornou Kirzner uma referência mundial é o de alerta empreendedor (entrepreneurial alertness). Para ele, o empreendedor não precisa, necessariamente, de capital ou de tecnologia de ponta; seu diferencial está em enxergar o que os outros ainda não perceberam.

  • O padeiro que nota a demanda por pães integrais em um bairro.

  • A costureira que percebe a procura por roupas personalizadas.

  • O jovem que identifica a possibilidade de usar aplicativos para conectar motoristas e passageiros.

Em todos esses exemplos, o que importa é a capacidade de atenção e descoberta. O empreendedor detecta uma oportunidade latente, age e, ao fazê-lo, contribui para a coordenação econômica e para a redução das ineficiências de mercado.

Essa visão rompe com a ideia de que o mercado é um sistema estático de equilíbrio. Para Kirzner, o mercado é um processo dinâmico que só se movimenta graças ao olhar atento e criativo do empreendedor.

escola-austriaca

Para Kirzner, o empreendedor é aquele que percebe oportunidades onde ninguém olha e, ao agir, transforma a realidade econômica.


Kirzner e Schumpeter: destruição versus descoberta

Ao desenvolver sua teoria, Kirzner dialogou inevitavelmente com outro gigante do pensamento econômico: Joseph Schumpeter.

  • Para Schumpeter, o empreendedor é o agente da destruição criativa: ele rompe estruturas, derruba empresas estabelecidas e cria novas formas de produção.

  • Para Kirzner, o empreendedor é sobretudo um descobridor de oportunidades: em vez de destruir, ele coordena desequilíbrios e amplia a eficiência do processo de mercado.

Ambas as visões se complementam, mas a de Kirzner é especialmente útil para explicar a realidade de economias em desenvolvimento, onde o simples ato de abrir um pequeno negócio já representa uma descoberta significativa.


Obras e contribuições acadêmicas

Entre seus principais livros estão:

  • Market Theory and the Price System (1963) – uma introdução didática à teoria austríaca.

  • Competition and Entrepreneurship (1973) – obra seminal em que apresenta a teoria do alerta empreendedor. (disponível em pdf aqui).

  • Perception, Opportunity, and Profit (1979) – aprofundamento filosófico sobre o papel da descoberta.

  • Discovery, Capitalism and Distributive Justice (1989) – defesa do sistema de mercado como ordem justa e eficiente.

Essas publicações consolidaram Kirzner como o maior sistematizador do papel do empreendedor dentro da Escola Austríaca, dando nova vitalidade ao debate sobre competição e inovação.


Aplicações práticas: a lição de Kirzner para o Brasil

Se aplicarmos a teoria de Kirzner à realidade brasileira, o recado é claro: o desenvolvimento não virá de cima para baixo, por meio de planos governamentais, mas de baixo para cima, pela iniciativa de empreendedores livres

Quando uma comunidade tem liberdade para empreender, surgem mercados locais dinâmicos que resolvem problemas sem depender da burocracia estatal. O dono da padaria, a costureira, o jovem que abre uma startup — todos eles, em conjunto, são agentes da transformação social.

Mas, quando a burocracia é sufocante, os impostos são altos e a insegurança jurídica domina, o potencial do empreendedor é esmagado. A mensagem austríaca, portanto, é também um chamado à liberdade econômica.

Legado intelectual e reconhecimento

Kirzner aposentou-se como professor emérito da NYU, mas sua influência persiste. Seu nome aparece frequentemente em discussões acadêmicas, políticas públicas de incentivo ao empreendedorismo e estudos sobre inovação. Além disso, foi indicado diversas vezes ao Prêmio Nobel de Economia pela originalidade e consistência de suas contribuições.

Seu legado permanece vivo porque trata de algo atemporal: a capacidade humana de perceber, arriscar e criar.


Conclusão

Israel Kirzner mostrou que o empreendedor é o verdadeiro protagonista da prosperidade. Mais do que estatísticas ou planejamentos centralizados, é a iniciativa de indivíduos atentos que transforma sociedades.

A lição de Israel Kirzner é clara: o empreendedor não apenas participa do mercado, ele o move ao descobrir e realizar o que parecia impossível.

empreendedor

Para o Brasil, sua lição é cristalina: liberar as forças criativas do povo significa abrir espaço para que pequenas descobertas se transformem em grandes avanços sociais.

O mercado é um processo vivo. O empreendedor é aquele que, ao descobrir oportunidades invisíveis, move a engrenagem da liberdade e da prosperidade.

Bom trabalho e grande abraço.
Rafael José Pôncio, ADM.




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